quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Idas e vindas

Por Martha C. do Nascimento Almeida


Aos cinco anos minha mãe me matriculou em uma escolinha, de nome “Escolinha Marinheiro Popeye”. Hoje, ela não existe mais. Lembro que eu era muito agarrada com minha mãe e não conseguia ficar sozinha na escola, com a professora e os alunos. Minha mãe tinha que ficar na porta me esperando, senão eu abria um berreiro. Teve um dia que ela me levou para escola e disse que ía ficar na porta. Da minha sala não dava para ver a porta, só a janela.

Minha mãe costumava usar um coque. Quando ela foi embora vi sua cabeça ao passar perto da janela, e a reconheci pelo penteado. Falei para professora que minha mãe tinha partido e comecei a chorar. Não consegui estudar. Chorava o tempo todo querendo minha mãe. Fiz tanta birra que a professora teve que me levar para casa. Eu não ficava sozinha na escola. Minha irmã tinha que ficar comigo. Só assim, que eu ficava.

Fiquei alguns dias. Não lembro quantas semanas foram. Eu não conseguia me adaptar sozinha e nem ficar sem minha mãe e irmã. Então, minha mãe me tirou da escola.

Quando completei seis anos, minha mãe me matriculou no colégio CEAV, que na época era CEAB. Nesse colégio não fiz birra e fiquei sem minha mãe. Não sei como eu consegui ficar sozinha sem ela. Primeiro eu tinha que fazer o jardim de infância. Como não teve vaga, entrei direto no CA. Estudei nesse colégio até terminar meus estudos. Minha mãe não sabia ler nem escrever. Não teve oportunidade para estudar. Por isso, não podia me ajudar nas tarefas de casa. Meu pai estudou pouco; teve que trabalhar cedo.

Minha irmã que me ensinava. Quando ela casou, foi morar em outra cidade. Acho que naquela época eu deveria ter uns 10 anos, não me recordo muito bem. Como minha mãe não sabia me ensinar fui aprendendo a me virar sozinha. O que eu não conseguia fazer das tarefas levava para a escola em branco, copiava das colegas ou do quadro que a professora corrigia. Eu estudava para as provas sozinha. Às vezes nem estudava, ficava com preguiça, chutava as respostas, colava do caderno que eu deixava aberto em baixo da carteira. Minha mãe foi meu incentivo. Mesmo não sabendo ler, ela incentivava os filhos a estudar.

Quando eu comecei a fazer a 8ª série, eu podia escolher uma das disciplinas que o colégio disponibilizava. Os alunos do colégio CEAV tinham a opção de escolher a disciplina que queria fazer; era contabilidade, formação de professora e formação geral. O diretor deixava uma lista nas turmas da 8ª série, onde era anotado o nome dos alunos e a disciplina que cada aluno queria cursar.

Quem vinha de outro colégio para conseguir vaga tinha que fazer prova, parecido como prova de vestibular para entrar na faculdade. Na época só o CEAV tinha as disciplinas de Contabilidade e Formação de Professores. Os outros ofereciam só Formação Geral.

Escolhi Formação de Professores. Na minha infância eu dizia que ia dar aulas quando crescesse. Eu gostava de brincar de professora com as coleguinhas e com minhas bonecas. Eu ficava vendo minha cunhada, que lecionava, fazendo plano de aula, enfeitando cadernos com desenhos e corrigindo provas. Eu achava tudo muito interessante.

Quando chegou meu momento de curtir tudo que eu achava interessante, começaram as dúvidas e, especialmente, o medo. Algumas colegas que faziam Formação de Professores na época ficavam reclamando das crianças, quando faziam estágios realizados no próprio colégio. Elas falavam que alguns alunos xingavam, cuspiam. Diante desses relatos, fui ficando desanimada e deixando-me levar pela dúvida, pelas reclamações que ouvia. Eu não sabia o que queria. Achava que não teria paciência, que não iria conseguir conviver com situações semelhantes. Lembro-me dessas reclamações até hoje.

Minha amiga, que sentava junto comigo, ficava me incentivando a fazer Contabilidade. Falava das vantagens de se trabalhar num banco. Até o ano de 1996, com curso de Contabilidade conseguia-se fácil emprego no setor bancário. Ela conseguiu fazer minha cabeça e decidi mudar de curso. Mas não dava para fazer a mudança automaticamente. Era final de ano. A única opção seria encontrar outra pessoa para troca. Por sorte, consegui. Fomos à direção, que aceitou as mudanças.

Em 1994, iniciei o novo curso. A amiga, que me incentivou, repetiu a 8ª série e nos separamos. No final do mesmo ano, fiquei grávida. Continuei meus estudos até completar os três anos de Contabilidade. Nesse mesmo ano, no qual eu fazia o 1º ano do 2º grau, teve um sorteio para um estágio no banco que ficava dentro do Estaleiro Verolme - e meu nome foi contemplado. Só que tive que recusar porque estava grávida. Eles não aceitavam pessoas nesse estado.

No ano seguinte tive meu filho e em 1996 terminei meus estudos. Não consegui fazer faculdade. Estava sem condições financeiras e não tínhamos opção na cidade. Com um bebê no colo, tive que adiar planos e sonhos para cuidar do filho e do marido. Em 1999, quando fez quatro anos, o coloquei na escolinha e comecei trabalhar num shopping. Fiquei só dois meses. Com o curso de Informática que eu estava fazendo, consegui um emprego melhor, na área administrativa de uma empresa. Fiquei por lá oito anos.

Em 2004, aproveitei que estava trabalhando e fiz um curso técnico de Administração. Esse curso me abriu novos horizontes. Em 2008, saí da empresa que trabalhava para ir em busca de novos caminhos. Sentia vontade de voltar a estudar e o que vinha na minha mente era fazer Formação de Professores. Parecia que era uma peça do quebra-cabeça da minha vida que faltava. E que ficou perdida no passado. Fiquei sabendo do vestibular para Pedagogia, na UFF de Angra dos Reis, e não pensei duas vezes.

Nunca é tarde para resgatar o que ficou adiado; talvez por falta de uma orientação melhor ou por falta de informação mesmo. Com os conhecimentos que tenho hoje, com o que aprendi e aprendo a cada dia nessa faculdade, sei que posso alcançar meus ideais, resgatar sonhos e projetos. E, assim, contribuir com o meu aprendizado para uma educação melhor, cumprindo meu papel na sociedade.